Nesses dias em que se diz que os amores e relacionamentos são líquidos demais, que não existe comprometimento com o outro e que vemos casais se separarem por motivos nem sempre razoáveis, é interessante falar da possibilidade de olhar além do muro. Afinal, ninguém é de ferro e as ofertas estão aí.

É normal ter atenção por outras pessoas fora o meu parceiro? É um questionamento muito comum quando há desestabilização entre o casal ou quando um ou outro se permite avaliar a relação e seus sentimentos. Essa pergunta mexe profundamente com nossos valores e crenças, pois intimamente quase todos nós já vivemos esse conflito, mesmo que na fantasia, no segredo da alma. Sem fazer apologia de traição e adultério, vale saber que o campo da psiquê admite que os caminhos do coração são indeterminados envolvendo duas situações fortes e reais: a dos sentimentos e desejos e a das convenções sociais.

O romantismo nos inspira a admitir apenas uma parceria amorosa, mas isso não impede que desejemos outras pessoas. O desejo erótico escapa de nosso controle, mas a escolha do caminho e o comportamento diante do desejo são de nossa escolha e responsabilidade.

Entender que o sentimento não é construído torna-se fundamental para que, sem hipocrisia, possamos entender o que sentimos e, a partir daí , fazermos nossa escolha. A verdade é que não existe ninguém capaz de satisfazer todas as nossas expectativas, então conviver com algumas faltas faz parte de qualquer relação que se preze. É preciso saber que sexo, paixão e amor têm movimentos próprios, e o esforço criativo para ter-se felicidade é compreender esses movimentos e dividir isso com o parceiro para equalizar as necessidades sem ferir ou ser ferido.

Mas a ética, o respeito e a correspondência aos contratos celebrados por meio de paixão, amor, atração e admiração são cruciais quando escolhemos com quem desejamos viver a nossa intimidade sexual e afetiva.

Dentro desse contexto, podemos nos deslumbrar com outra pessoa, que nos inunde de emoção, desejo ou tentação. E nós mesmos – e não a sociedade – delinearemos o caminho a seguir, sem negar a vulnerabilidade aos surtos de paixão que permeiam uma relação duradoura e construída.

Se não nos permitirmos esses surtos e não questionarmos a validade e o empenho que temos em manter uma relação duradoura, lapidada e, algumas vezes, reformada, dando espaço para a renovação e o crescimento, ficaremos submersos pela força estagnada da certeza da exclusividade.