Em um desses dias de férias, um dos poucos em que consigo me desligar do mundo, ouvi no rádio uma canção que, mesmo não sendo infantil, remetia à minha infância: ‘Iracema’, de Adoniran Barbosa.

Provavelmente, só quem já tem mais de 50 anos conhece, e a letra diz assim:
Iracema, eu nunca mais eu te vi 
Iracema, meu grande amor, foi embora
Chorei, eu chorei de dor porque
Iracema, meu grande amor foi você.

Ouvi essa música por muitos anos, pois a funcionária de casa se chamava Iracema. Era uma negra bonita e fogosa que eu associava à musica e achava, inocente que era, que a Iracema da música tinha ido embora, tinha tido um gesto de desapego e, ao contrário da maioria das dores de cotovelo, dessa vez quem chorava era o homem.

Nessas férias, sem a ingenuidade de menina, eu percebi que a letra da música fala de uma Iracema que morreu atropelada. Que coisa mais sem graça! E todas as minhas fantasias de mulher forte e liberada, que sabia o que queria e escolhia seus homens, como a Iracema que eu conhecia foram por água abaixo.

Mas o que quero aqui ressaltar – muito mais do que a letra da música e a necessidade das mulheres saberem desamar, quando esse amor não alimenta mais – é sobre quantas coisas passam pela nossa vida e não percebemos o seu real peso e valor.

Como uma música que se ouve durante toda a vida e não se percebe o som e nem a repercussão dela no nosso coração, infelizmente ainda característica das mulheres que sobrecarregadas de afazeres, culpas e sonhos passam pelas situações sem sentir e nem dar nome às emoções.

Lembrando disso e escrevendo esse texto me permito relembrar quantas músicas nos trazem a lembrança de quem somos.

No escurinho da nossa alma, temos a responsabilidade de não deixar morrer essa liberdade conquistada, que vai além do sexo livre e das conquistas profissionais, a conquista de sermos donos de nossas emoções e sentimentos, os verdadeiros donos da própria história.

E já que comecei falando de músicas, sugiro que você faça a sua própria lista de músicas especiais e significativas.

Hoje, creio que eu escolheria ‘Banho de Espuma’, da Rita Lee. Isso não quer dizer que amanhã eu não poderia ser ‘Cor de Rosa Choque’, ou quem sabe ‘Apenas uma Mulher’.