Com ela, não tem tabu. Gorda, feminista, cheia de personalidade e amante da liberdade, a designer e produtora de conteúdo é um exemplo de determinação e uma inspiração dentro do movimento body positive. Maqui Nóbrega tem se aventurado pelo mundo de digital influencer para abordar pautas superimportantes hoje em dia, como amor-próprio, autoestima, feminismo e empoderamento do corpo gordo.

A amizade de longa data com a blogueira e sócia Karol Pinheiro, com quem está acostumada a trabalhar nos bastidores, permitiu que Maqui mostrasse a cara na internet e conquistasse milhares de seguidores engajados nas mesmas causas que ela e interessados em saber o que ela pensa sobre o mundo.

Fotos: Tyaro Studio

Revista Studiobox – Como você começou na carreira?

Maqui Nóbrega – O meu pai sempre gostou muito de tecnologia, sempre tinha as novidades antes de todo mundo. A primeira câmera digital que teve em casa era de disquete! Então, desde essa época eu já fotografava, sem saber que depois isso ia se tornar o meu trabalho.

Na adolescência, eu passava muito tempo no computador. Minhas amigas tinha banda e eu não, então era eu que tirava fotos e fazia o site das bandas, esse era o meu rolê.

Fazer sites foi o que me levou a São Paulo e a trabalhar com design gráfico, por uma indicação de um amigo da minha mãe que viu o meu portfólio e me indicou para uma vaga.

Sua família apoiou suas escolhas?

Minha relação com a minha família é ótima. Meu pai faleceu há 10 anos, então minha família é minha mãe e meu irmão. Meu pai sempre me incentivou muito a “fuçar” as coisas, ser autodidata.
Na escola eu era meio rebelde, tirava boas notas mas só nas matérias que eu gostava. E eles sempre entenderam que a minha inteligência não era só para o que a gente aprende na escola.
Quando terminei o colégio não sabia se queria fazer faculdade. Prestei uns vestibulares, mas não era o que eu queria, e eles nunca me pressionaram para decidir nada.

Também me apoiaram quando fui para São Paulo, em todas as minhas decisões. Acho que sempre confiaram em mim.

Hoje minha mãe trabalha comigo e com a Karol, é o nosso financeiro e administrativo, então segue me apoiando, agora de outras formas.

Você saiu de casa e foi para São Paulo muito jovem, como foi a experiência?

Eu fui para São Paulo em 2005, com 20 anos, e considero a melhor coisa que eu fiz na vida, porque abriu os meus horizontes de uma forma que eu nem sabia que eu precisava. Foi uma experiência muito enriquecedora.

Fui morar sozinha e logo criei raízes, tenho muitos amigos e não consigo pensar em largar São Paulo por nada. Eu amo essa cidade, que tem oportunidades como em nenhum lugar do mundo. Quanto mais eu viajo, mais eu gosto de São Paulo.

Não fazer faculdade e se jogar no mercado de trabalho foi um desafio?

Não foi uma dificuldade para mim. Mas eu também acho que eu tive muita sorte de encontrar pessoas que apostaram em mim e toparam me ensinar. Eu me inseri no mercado de trabalho, fui seguindo e não senti a necessidade de ter uma graduação.

Acho que a teoria é importante, mas a gente aprende mesmo na prática. Então, de certa forma, eu tive uma faculdade no próprio mercado de trabalho.

Você e a Karol Pinheiro têm uma parceria incrível, como é essa relação?

A gente se conhece há 11 anos, mas foi em 2013 que começamos a trabalhar juntas, ainda dentro da Capricho, para sair de lá e ter o nosso próprio negócio. Eu falo que a minha relação com a Karol é a relação não-romântica mais bem sucedida que eu já tive na vida. Acho que somos almas gêmeas. Somos pessoas muito diferentes, mas a gente se encontra nas coisas que são importantes para manter uma relação: no respeito, no diálogo e nos valores que a gente tem.

É muito difícil construir uma relação assim, né? Tem que valorizar mesmo.

As pessoas falam “nossa, eu queria ter uma amizade como a de vocês”. Na real, eu também queria, quando eu não tinha. É uma meta de relacionamento!

Essa relação me ensinou muito sobre sororidade, sobre apoiar mulheres, ter uma mulher muito boa no que faz do seu lado, que te apoia e que supre necessidades que você não precisa procurar em um parceiro. A gente precisa de mais mulheres se apoiando, se unindo, criando negócios, laços, criando qualquer coisa juntas.

O feminismo está sempre em pauta nas suas falas. Quando você se deu conta de que precisava dele?

Sabe que eu não sei? Feminismo e empoderamento são palavras muito recentes na nossa vida. Eu sempre fui uma menina fora do “padrão de feminilidade”, desbocada, que a galera do colégio achava que era lésbica. Assim, eu já desafiava o padrão e sabia que o feminismo era importante pra mim, no sentido de fazer as minhas próprias escolhas e ser respeitada por elas. Acho que todos os dias eu percebo alguma coisa que me mostra a importância do feminismo.

Também aprendi muito com a minha mãe, que é uma mulher muito independente e me ensinou a não me enfiar em relacionamento por necessidade e não achar que preciso de alguém para estar completa.

Acho que o feminismo sempre esteve presente nas minhas atitudes, mas eu nem sabia o que era. Agora eu sei e ele é cada vez mais parte de mim, do meu discurso e das minhas ações e decisões.

Você é uma inspiração, bem resolvida com o seu corpo, sua vida, seu trabalho. Sempre foi assim?

Eu sempre fui gorda e muito alta, grande, então nunca me encaixei nos pardrões de corpo. Mas acho que, de alguma forma, o meu corpo me trazia destaque. Por exemplo, eu fazia jazz, balé, sapateado e, por eu ser grande, sempre tinha um papel de destaque nas coreografias. Isso me trouxe mais coisas positivas do que negativas.

É claro que não foi sempre assim. Eu fui zoada na escola, tentei fazer dietas mirabolantes para emagrecer, já pensei que eu não ia pegar nenhum carinha porque eu era gorda, todas essas coisas que acontecem com quem é gorda.

Mas eu não guardei traumas, talvez porque na minha casa isso não era uma questão, não lembro de ter uma pressão pra emagrecer. Tinha a preocupação com a saúde, mas não era uma coisa opressora, de fazer eu me sentir mal.

O segredo é a autoconfiança?

Eu sempre tive a consciência de que eu era uma pessoa muito legal. Quando você tem uma aparência que não está no padrão, você desenvolve outras habilidades, como senso de humor e inteligência, para compensar. E isso acaba sendo muito útil. Eu sempre tive essa confiança e a certeza de que aparência não é tudo.

Eu fui crescendo e, já na vida adulta, percebi que era possível ser amada e viver de boa sendo gorda.

O que fez você perceber isso?

Desde essa época até hoje, foram surgindo referências de mulheres gordas na mídia, que eram felizes. Acho que a primeira foi a Beth Ditto, da banda The Gossip, que era uma menina gorda que não tava nem aí, não era um problema para ela.

Odeio ser clichê, mas representatividade é muito importante. Eu acho foda eu ser isso para algumas pessoas hoje em dia, me deixa muito feliz, porque eu sei que isso muda a forma como a pessoa se vê.

Eu não fui sempre assim, mas faz muito tempo que sou assim. A cada ano que passa eu dou mais um passo na aceitação do meu corpo e de quem eu sou. E se você não aceita isso o problema é você e não eu. Eu me sinto cada vez mais livre no meu corpo.

Seu Instagram tem “nudes” que mostram mais do que um corpo, mas uma mulher plena. Como foi isso?

O ensaio nua foi um passo muito importante nessa aceitação, porque uma coisa é você se ver no espelho e se sentir bem e a outra é você se abrir para o mundo e receber julgamentos. Eu topei fazer esse ensaio porque era com a Paulina (@olhardepaulina), que eu admiro muito. Eu aluguei um apartamento no Airbnb, e ficamos dois dias peladas fotografando. Foi uma experiência muito louca, porque quando a outra pessoa fica pelada também dá um alívio. Estamos peladas e pronto.

Ela teve essa sacada muito boa de se despir para que o outro se sinta à vontade também. O ensaio não tem a intenção de ser sexy, é para ajudar você a se sentir confortável no seu corpo. Eu fiz poses e toquei partes do meu corpo que não eram movimentos naturais, mas aos poucos foram se tornando. Essa coisa de se tocar, fechar os olhos e se sentir.

Rolou uma dúvida na hora de postar as fotos nas redes sociais?

Não tive nenhuma dúvida! Eu acredito que o que você joga pro universo você recebe de volta. Eu criei uma comunidade de pessoas muito legais no meu Instagram, então eu sabia que a reação das pessoas ia ser positiva, e foi. Toda vez que resgato uma foto desse ensaio a reação é a mesma.
Quando eu posto tem tem muita curtida, desde os crushes até amigos que eu não falo há muito tempo. Muita gente me disse que foi importante, elogiou. Não chegou em mim nenhuma reação negativa sobre o ensaio. Quero muito fazer outros!

Você já sentiu a gordofobia na pele?

Acho que sim, mas não lembro. A gente desenvolve uma autoconfiança e uma autoestima para que a gente não sofra. E, ao longo do tempo, acho que isso me blindou para essas coisas. Obviamente, as pessoas te julgam por ser gorda, é natural. Um dia isso pode mudar, mas vai levar séculos porque se instituiu um padrão de que o gordo é errado.

Passei por isso na escola, é claro que me chamavam de gorda. Mas isso é coisa do passado que eu nem levo em consideração. Isso pode destruir a autoestima das pessoas, mas, por sorte, não destruiu a minha. A gordofobia existe, é claro, o tempo todo e em todos os lugares.

Como lidar com a pressão para se adequar a um padrão?

Com a internet, você pode ter um milhão de padrões. Você tem exemplos de todos os tipos de corpos e cores, estilos de vida, orientações sexuais, tudo. É muito mais fácil você buscar exemplos do que você quer ser e do que você admira. Que não são aquelas metas inatingíveis, aquele corpo que você nunca vai conseguir ter, aquela personalidade que você nunca vai ter – e você nem quer! Mas, como é o único exemplo que tem, você acha que precisa ser assim para ser aceito.

Calma, é normal. Existem os padrões e a pressão para você se encaixar neles, mas existe muita gente quebrando esses padrões. Procure essas pessoas. Procure grupos com os quais você se identifica, converse sobre isso.

Desconstrução é feita com diálogo. Eu converso o tempo todo sobre isso com as minhas amigas magras, para elas entenderem o que eu sinto e como as coisas são diferentes para mim porque eu sou gorda.

Seus conselhos fazem muito sucesso no Instagram! Você sempre foi essa “guru sincerona”?

Sim! Às vezes eu sou sincera demais, porque sou muito prática e acho que as pessoas não se beneficiam ouvindo mentira. Falar a verdade é sempre o melhor caminho pra chegar em algum lugar. Para quem eu sei que aguenta, eu sempre dou conselhos muito sinceros, que talvez não sejam o que a pessoa quer ouvir, mas talvez seja o que ela precisa, ou o que vai fazer ela pensar.

Você é super estilosa, como você vê o mercado plus size no Brasil?

Eu sempre gostei de me vestir de uma forma diferente das outras pessoas. Tentava sempre ir pro lado oposto do que todo mundo estava vestindo. Quando eu era adolescente, realmente não tinha onde comprar roupa do meu tamanho, então eu mandava fazer. Pegava fotos de celebridades, tipo a Kelly Osbourne, que eu gostava muito na época e era gorda, via as roupas e levava na costureira.

O mercado plus size é completamente diferente hoje, mas ainda tem muito para caminhar. Você consegue ir no Pop Plus, que é o maior evento plus size do mundo, criado pela santista Flávia Durante, e tudo te serve. Isso não existia a pouquíssimo tempo atrás. Mas eu também sei que isso é uma coisa de São Paulo, tem gente que não tem acesso, e isso precisa melhorar. O objetivo é que um dia a gente entre em uma loja e tenha roupas de todos os tamanhos, do 36 ao 60, sem distinção de área plus size e de preço. Ainda falta muito.

Você tem saído dos bastidores e se aventurado como digital influencer. Como tem sido essa nova fase?

Quando a gente começou o canal e o blog, a minha ideia era ficar totalmente nos bastidores. Mas fui aparecendo nos vídeos de viagens, as pessoas foram gostando de mim, fui ganhando seguidores no Instagram e fui um pouco para frente da câmera. Eu gosto de fazer isso, mas não é o meu lance. Meu lance é ficar por trás das câmeras.

Como influenciadora digital, eu tenho a liberdade de poder escolher o que eu faço, porque não é a minha principal fonte de renda. Eu quero focar na minha mensagem de aceitação e de feminismo, e não quero perder a minha liberdade de falar certas coisas. No Instagram e no Twitter, eu tenho gostado cada vez mais de aparecer, de falar e trocar ideia com as pessoas.

Tem planos para o futuro?

Não sou uma pessoa de fazer muitos planos para o futuro, vou deixando a vida me levar. Eu não pensava que nada disso ia acontecer e aconteceu. Sei surfar nas oportunidades e aproveitá-las, mas não fico fazendo planos.

Se eu tiver que colocar algumas metas: nunca mais quero ter chefe, quero ter liberdade com o meu tempo e quero viajar muito. Talvez ter mais uns trinta gatos. Mas são devaneios, não tenho planos concretos para o futuro, eu gosto de ir deixando acontecer.