Nascida em Santos, Renata Arraes concluiu o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade Católica de Santos em 1999 e, depois de construir uma sólida carreira como servidora pública em sua área, desde 2017 atua como titular da Procuradoria Geral de Santos. Ela é responsável pela representação judicial e extrajudicial do Município e pela consultoría jurídica do Poder Executivo.

Em entrevista à Studiobox, Renata fala sobre os desafios pessoais e profissionais enfrentados não só pela complexidade da sua função, mas também por ser uma posição ocupada majoritariamente por homens. Para ela, contribuir para o desenvolvimento da Cidade é uma missão e uma oportunidade de usar seu conhecimento para beneficiar quem precisa e garantir o interesse público.

Fotos: Érika Martins

Revista Studiobox – Você nasceu em Santos e é servidora pública aqui. Como é a sua relação com a Cidade?

Renata Arraes – Sou nascida em Santos e servidora pública de carreira na Prefeitura Municipal de Santos há quinze anos. Minha relação com a cidade de Santos, sem falsa modéstia, é uma verdadeira relação de amor. Decidi me dedicar aos concursos públicos quando ainda estava na faculdade. Fui procuradora no Município de Santo André e, apesar de amar a função, não me sentida vinculada emocionalmente à cidade. Quando passei no concurso aqui em Santos e ingressei na carreira, realmente me identifiquei e tive a certeza de que não prestaria mais nenhum concurso público, porque aqui eu tinha realmente me encontrado.

Por que escolheu o Direito?

Quando a gente é jovem tem muitas dúvidas acerca da carreira que quer escolher. Eu sabia que gostava da área de humanas, sempre gostei de me relacionar com pessoas, mas não tinha a exata certeza do que eu queria. Eu era cheia de dúvidas e prestei vestibular para Propaganda e Marketing em várias universidades e para Direito em apenas duas. Justamente nos vestibulares de Direito foram os que passei. Acho que era para ser assim. Esse era o meu destino.

Como foi o início da sua carreira, quais os maiores desafios enfrentados?

O primeiro desafio de quem escolhe uma carreira pública é o ingresso nos concursos. Você concorre com centenas, às vezes milhares, de pessoas para pouquíssimas vagas. Como eu sempre fui uma pessoa muito estudiosa, apesar de difícil, estudar para mim nunca foi um peso nem sacrifício. Eu fui aprovada em primeiro lugar no concurso de Procurador do Município de Santos e nunca me acomodei. Sempre me auto desafiei. A minha trajetória na Prefeitura de Santos talvez tenha sido exitosa por isso. Eu sempre quis fazer e aprender mais, conhecer todos os assuntos tratados na Prefeitura e, por consequência, acabei me ambientando em quase todas as áreas de atuação da Procuradoria.

Como é ser mulher na sua área de atuação?

Ser mulher é um desafio diário para qualquer uma de nós, independentemente da profissão que exercemos. Mas, sem dúvida, em uma atividade ou função exercida primordialmente por homens, isso se torna ainda mais desafiador. Eu nunca enxerguei o fato de ser mulher como algo que me diminuísse ou me menosprezasse. Sempre me senti e me comportei em pé de igualdade com qualquer homem. Me sinto muito orgulhosa e honrada de servir de inspiração para outras mulheres, seja qual for a profissão ou classe social. É gratificante poder representar os interesses e anseios de outras mulheres quando você tem a oportunidade de ser ouvida, enquanto muitas não têm. É isso que me move e me inspira.

Fotos: Érika Martins

Você já teve dificuldade para realizar o seu trabalho por ser mulher?

Não. Eu nunca me senti preterida ou prejudicada, num episódio concreto, pelo fato de ser mulher na minha atividade profissional. Talvez eu seja uma exceção. Sempre procurei me colocar de forma clara e precisa, para que minha condição de mulher não obstaculizasse o meu trabalho. Todavia, penso que as dificuldades que muitas vezes se apresentam para nós mulheres são sistemáticas e estão intrínsecas na nossa sociedade. A gente precisa ter postura firme e estar sempre preparada para enfrentar eventuais dificuldades todos os dias.

E o contrário, alguma característica sua, como mulher, te ajudou?

Sim. Eu acho que nós mulheres temos uma capacidade especial de desenvolver diversas funções e nos dedicar igualmente a todas elas. Acredito que minhas características pessoais que mais me ajudaram sempre no meu trabalho são o foco e a disciplina. Sempre fui muito disciplinada e rigorosa comigo mesmo. Estou sempre cobrando o melhor de mim e talvez isso tenha feito com que eu sempre me dedicasse cada vez mais para alcançar meus objetivos.

O que te motiva profissionalmente?

Minha maior motivação é ver os projetos, programas e políticas públicas serem concretizados efetivamente. Eu sempre procurei ir além da letra fria do papel ou da tela de um computador. Faço questão de conhecer os projetos das mais diversas áreas da Prefeitura pessoalmente e é gratificante demais ver que determinado ato da Administração Pública dependeu de uma análise minha, um parecer meu, uma atuação judicial, para ser concretizado e efetivamente beneficiar as pessoas e a cidade.

Como foi a sua trajetória até chegar à Procuradoria de Santos?

Eu sempre quis seguir carreira pública. Nunca almejei advogar na área privada. Ainda na faculdade, me dedicava intensamente aos estudos para concursos públicos e adquiri um carinho especial pela carreira de procurador. Primeiramente fui servidora do Poder Judiciário, como escrevente técnico judiciário na Vara da Fazenda Pública de Santos. Coincidência ou destino, talvez? (risos) Posteriormente ingressei no cargo de Procuradora do Município de Santo André, onde fiquei pouco mais de três anos, até que ingressei no concurso da Procuradoria Municipal de Santos em 2006. Mesmo enquanto atuava nos cargos anteriores, nunca parei de estudar. Somente chegando aqui, eu entendi que tinha encontrado o que eu queria.

O que faz uma Procuradora Geral e como contribui para o desenvolvimento da Cidade?

A Procuradoria Geral do Município é um órgão diretamente vinculado ao Prefeito Municipal e é responsável pela representação judicial e extrajudicial do Município. A Procuradoria Geral exerce ainda as funções de consultoria jurídica do Poder Executivo e da administração direta em geral, promove a inscrição e cobrança da dívida ativa do Município, dentre outras atribuições. Na prática, o procurador do Município é o advogado público que defende o Município nas ações propostas contra este e ingressa em juízo com as ações de interesse do Município. Já na seara administrativa, a Procuradoria faz a análise jurídica prévia dos atos da Administração, a exemplo de licitações, contratos, projetos de lei, decretos e outros atos administrativos e normativos. A consultoria prévia é que dá ao Poder Executivo a segurança jurídica para edição e execução de atos com observância da legalidade. O Procurador Geral é um procurador do município de carreira, nomeado pelo Prefeito para exercer a chefia, gestão e administração do órgão.

Você é Procuradora Geral do Município de Santos há três anos, como tem sido essa missão?

Fui nomeada Procuradora Geral em 2017 e desde então minha vida tem sido integralmente dedicada a essa missão. Ser Procuradora Geral, a meu ver, muito mais que uma função jurídica, é uma missão de vida. É ter a oportunidade de usar meu conhecimento para beneficiar as pessoas, preservar o Erário e garantir o interesse público.

Teve algum caso específico que te trouxe mais satisfação ao ser resolvido?

Sim, muitos. Eu, graças a Deus, tive uma trajetória muito feliz e de muito sucesso na Prefeitura de Santos até hoje. Alguns casos me trouxeram grande satisfação, como o Projeto Piloto de instalação dos “bags” na Ponta da Praia; o Projeto da Nova Ponta da Praia, com entrega a cidade de um belíssimo Centro de Convenções inteiramente público; as demandas administrativas e judiciais que redundaram no sucesso da Nova Entrada da Cidade e execução de suas etapas, projeto que está mudando a vida das pessoas; o Centro de Atividades Turísticas da Zona Noroeste, conhecido como camelódromo, que deu dignidade àqueles trabalhadores informais, hoje permissionários; os diversos projetos de lei na área da cultura que, com minha ajuda, tornaram-se projetos culturais pioneiros e vanguardistas na nossa cidade; as demandas administrativas e judiciais que resultaram no desenvolvimento de políticas públicas de saúde, educação e sociais que mudaram o retrato da Cidade.

O que podemos esperar daqui pra frente, com a nova gestão na Prefeitura de Santos?

Eu tenho um olhar positivo e de muita esperança em relação à nova gestão. A nova gestão na Prefeitura de Santos tem o desafio de manter e dar o adequado funcionamento a todos os equipamentos públicos criados e desenvolvidos na gestão anterior, de modo que a população seja atendida com dignidade e respeito. Não será uma tarefa fácil, mas um desafio gratificante que nos move a buscar fazer sempre o melhor.

Fotos: Érika Martins

Quais os novos desafios que a pandemia do coronavírus trouxe ao seu trabalho?

Sem dúvida, a pandemia foi meu maior desafio profissional de toda a vida. Tivemos que enfrentar o desconhecido e, muitas vezes, sem os meios e mecanismos legais necessários a esse enfrentamento. Foram meses de intensa dedicação e estudos porque tivemos que desenvolver a legislação aplicável ao enfrentamento da pandemia no Município, também adotar medidas administrativas e judiciais para conter o seu avanço, bem como garantir o acesso da população ao sistema de saúde, de modo a que nenhum cidadão ficasse sem atendimento.

Você se sente realizada?

Sim, muito. Sou muita grata sempre por poder trabalhar fazendo aquilo que amo e me sinto muito realizada com os frutos que colho desse trabalho. São frutos oriundos da minha profissão, mas que refletem diretamente na minha vida como ser humano.

Como conciliar a rotina intensa de trabalho com a vida pessoal e familiar?

Essa é a parte mais difícil (risos). Meu tempo livre, procuro dedicar à minha família, em especial minha filha, já que passo muito tempo fora de casa. Procuro ser uma mãe presente e estar atenta aos estudos, ao crescimento e à formação da minha filha. Não é fácil, não dá pra ser perfeita em tudo, mas a gente se esforça. Também procuro, na medida do possível, reservar um tempo pra cuidar de mim, fazer exercícios, cuidar da saúde, estética… Nem sempre consigo fazer tudo que desejo, mas já não me cobro tanto como antigamente. Quando o cansaço bate, não me culpo. Simplesmente deixo para depois. Acho que o grande segredo está no prazer em fazer o que se gosta. Quando se ama o que se faz, não há sacrifício.

O que a família significa para você?

Família, sem dúvida e sem clichês, é a base de tudo. É a família que nos sustenta e nos mantém de pé sempre.

Como é a sua relação com a sua filha?

Nossa relação é maravilhosa. Somos muito mais que mãe e filha, somos amigas de verdade. Minha filha, apesar de ter apenas 12 anos, é muito disciplinada e responsável. Atenta a tudo, é boa conselheira e minha melhor companhia. Fazemos tudo juntas.

Qual o seu maior orgulho?

Meu maior orgulho é ter representatividade. Me sinto honrada em saber que posso fazer a diferença, por menor que seja, na vida das pessoas. Me sinto feliz em ter a oportunidade de me fazer ouvir quando muitas mulheres não a têm e se sentem representadas nessas situações.

Que mensagem você gostaria de deixar para as mulheres que estão lutando pelo seu lugar no mercado de trabalho?

Minha mensagem sempre é de perseverança. Não esmoreça nunca, seja qual for a adversidade que encontrar. Obstáculos, preconceitos, tristezas, decepções são passageiros e sempre servem de aprendizado. Eu brinco que eu posso até cair, mas eu levanto dando um “duplo carpado” – bem assim. A volta por cima tem sempre um gosto muito saboroso, por isso não podemos desistir nunca daquilo que acreditamos e queremos para nós.